13 de ago. de 2010

"Hans Staden", o homem que aprendeu a aprender com o contrário!


Minha, não-reforçada visão, sobre este Best Seller que virou filme:



Meu relato refere-se à analogia entre o filme “Hans Staden” (interpretado por Carlos Evelyn) e as discussões referentes a relativismo cultural, etnocentrismo e outridade. Analogia essa, que evidência o choque cultural sofrido pelo alemão Hans Staden. - que é um personagem real da época do descobrimento, qual chegou ao Brasil em 1554 e tornou-se um dos principais relatores sobre a geografia, a fauna e a flora tropicais. Náufrago nas costas de Santa Catarina, no sul do Brasil, e, após ter sido artilheiro para os portugueses no forte de Bertioga foi capturado pelos Índios Tupinambás, que acreditavam ser ele mais um odiado colonizador, como os primeiros colonizadores que os caçavam para escravizá-los. O levaram para a aldeia chamada Koniambebe, onde começou a estádia (sempre a pique de ser devorado) – No decorrer do filme, podemos comprovar a grande estranheza que se deu no encontro das duas culturas diferentes, onde Hans Staden tinha sua cultura como real, absoluta e principal referência, pois tomava como apontador os valores partilhados no seu grupo (sociedade) e por isso compreendia os costumes dos Índios Tupinambás como algo exótico, excêntrico, anormal, inferior, exuberante e primitivo. Isso nos levou ao conceito de etnocentrismo, que é a atitude pela qual um indivíduo ou um grupo social, se considera o princípio de referência, ou seja, julga outros indivíduos ou grupos à luz dos seus próprios valores.

A partir da análise do filme, podemos observar que a cultura Tupinambá dominava todo o sudeste do Brasil e sua linguagem (tupi) era largamente utilizada pelos colonizadores. Entretanto, vale ressalvar que o filme evidencia não só a língua tupi, mas também o português arcaico, o alemão e o francês (que era abordado pelos demais colonizadores), evidenciando assim traços da difusão cultural, que implica no movimento de transferência de características culturais e idéias de uma sociedade, ou grupo étnico, à outra. Partindo desse preceito, notamos que o intercâmbio cultural entre esses povos constituiu na modificação de ambos. Lembramos isso, nas cenas em que Staden ameaçava os índios com a fúria de seu deus, fazendo-os adiar a sua morte.

O filme, ao mesmo tempo, faz uma preciosa exposição etnográfica (método utilizado pela antropologia na recolha de dados) do povo Tupinambá, inclusive dos costumes familiares e sociais, práticas políticas, religião e, como não poderia deixar de ser, do canibalismo (ou antropofagia, que pertencia à cultura de inúmeros povos indígenas do nosso continente, da mesma forma que muitas tribos africanas e aborígenes, havia a crença de que, ao comer o inimigo, parte de suas qualidades passaria para o devorador, que era um costume dessa aldeia). Staden passou nove meses entre os Tupinambás, na ameaça de ser devorado por esta tribo de indígenas que comiam carne humana, sobretudo de seus inimigos. No entanto, o alemão conseguiu sobreviver com muito sacrifício, convivendo com seus captores. Recebeu uma esposa e pode participar de todas as atividades e eventos sociais da tribo, culminando até com a festa onde ele seria o prato principal. Com isso, ficou claro, que no convívio com uma cultura diferente, vem à flexibilidade de aceitar, com imposição de alguns limites, sem abrir mão de seus costumes, dando espaço para outros. Ratifico que Staden não ficou totalmente socializado aos costumes dos Tupinambás, mas que de forma sintetizada passou a adquirir seus hábitos, observou seus ritos, suas crenças, medos e superstições, suas tradições e rotinas, isso ficou evidenciado nas cenas onde Staden começou a realizar praticas típicas dos Tupinambás. Ocorrendo assim, uma troca igualitária de experiência humana.
Todo esse processo de observação e adaptação a cultura dos Tupinambás favoreceu Hans Staden a “receber” sua liberdade, depois de 9 meses (um navio francês que aportou na região trocou um baú de mercadorias pelo alemão, que ao chegar à Europa escreveu suas memórias, que se tornou uma das maiores obras sobre o canibalismo ritualístico entre índios na América Latina). Na consumação, chegamos à conclusão que somos realmente capazes de aprender e nos civilizar com outras culturas. Vimos além disso, que todos os sistemas culturais são intrinsecamente iguais em importância, que os aspectos característicos de cada um têm de ser avaliados e explicados dentro do contexto do sistema em que aparecem, e que, pela relação alteritária é possível exercer a cidadania e estabelecer uma relação pacífica e construtiva com os diferentes, na medida em que se identifique, entenda e aprenda a aprender com o contrário.
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12 de ago. de 2010

UM TEXTO MUITO ESCLARECEDOR SOBRE A ERA MERCADOLOGICA DO ENSINO PÚBLICO!

Para que servem as Humanidades?

Leyla Perrone-Moisés
Professora emérita da Faculdade da FFLCH/USP

(Matéria publicada na Folha de São Paulo (Caderno Mais!) de 30/6/2002)

Para além das causas específicas, reais ou alegadas, a crise atual da FFLCH/USP é sintoma de um mal-estar internacional dos estudos humanísticos. Uso aqui a palavra ‘humanidades’ não no sentido restrito de estudo das línguas e literaturas clássicas, mas no sentido geral dos estudos que têm o homem como objeto central de reflexão.
Desde a Idade Média até meados do século 20, os estudos humanísticos, sobretudo nas suas vertentes filosóficas e literárias, ocuparam um lugar de honra nas Universidades. O próprio conceito de Universidade implicava a aspiração a um conhecimento superior e integrativo que orientasse os caminhos dos homens. Os extraordinários avanços científicos e tecnológicos do século passado, recebidos não apenas como valiosos, mas também como prioritários, relegaram os estudos humanísticos a um lugar secundário. A globalização econômica e a consequente submissão de todos os países à lógica do mercado tendem agora a desferir o golpe definitivo contra esse tipo de estudo. Os tomadores de decisões - políticos, economistas, cientistas, tecnocratas - perguntam cada vez mais: para que servem as humanidades? Submetidas ao critério de uma utilidade imediata, identificada com um bem-estar do homem baseado apenas no acesso às conquistas da ciência e da tecnologia, assim como no bom funcionamento do mercado, as humanidades passaram a ser vistas como um luxo, uma perfumaria, uma inutilidade.
Concomitantemente, o enfraquecimento dos Estados e sua crescente racionalização econômica levaram a um questionamento do ensino público. A Universidade pública, como todos os serviços fornecidos gratuitamente pelo Estado, começou a ser vista como economicamente inviável. À semelhança das Universidades privadas, as Universidades públicas passaram a ser pensadas como empresas e submetidas a uma avaliação de custo-benefício. Tendo sempre em vista essa lógica de custo-benefício e considerando a crescente falta de recursos públicos para manter as Universidades gratuitas, os dirigentes universitários dos países que ainda mantêm esse ‘anacronismo’ viram, como solução transitória, as parcerias com as empresas privadas.
As Universidades privadas norte-americanas, pioneiras nesse processo e modelos mundiais, adaptaram-se naturalmente ao modelo empresarial. Os currículos e diplomas se adequaram às ‘demandas da sociedade’, que se identificam com as demandas do mercado. Os professores universitários passaram a ser avaliados mais por sua capacidade de levantar fundos (‘raising funds’) do que por suas qualidades de pesquisadores e professores. O modelo liberal-protecionista anterior, sustentado por doações de milionários beneméritos, foi substituído pelo modelo da parceria empresarial interessada, cobradora e interventora. Hoje os logotipos das empresas doadoras de fundos proliferam nos prédios universitários e nas próprias salas de aula.
A indústria farmacêutica, por exemplo, passou a dirigir os rumos das pesquisas de biologia e a influir na composição dos colegiados, como ocorreu, de modo escandaloso, numa parceria da Universidade da Califórnia, em Berkeley, com a empresa suíça Novartis, em 98. A empresa Nike suspendeu seu apoio financeiro às Universidades de Michigan, Oregon e à Brown porque os estudantes desses estabelecimentos criticaram o trabalho infantil praticado pela empresa em países pobres.Os exemplos poderiam multiplicar-se, e numerosos processos foram instaurados para examinar conflitos de interesse na atuação de pesquisadores universitários pagos por empresas.
O próprio ensino como um todo, na era da informática e da internet, tornou-se o alvo das empresas de softwares, os quais substituiriam, com vantagens econômicas, a multidão onerosa de professores e as dispendiosas salas de aula. Programas e aulas uniformizadas, além de representarem uma economia de recursos, favoreceriam a globalização econômica, pelo fato de diplomarem profissionais de formação igual em qualquer parte do mundo. Essas distorções foram denunciadas por universitários americanos, como James Engell e Anthony Dangerfield, da Universidade Harvard, que cunharam a expressão ‘the market-model university’. Apesar desses alertas, as parcerias com as empresas privadas vêm sendo adotadas no mundo todo como uma transição prudente e pudica para a desejada mas ainda indefensável privatização total do ensino e da pesquisa.
A tendência é mundial. A União Européia, ciosa de sua posição no mercado global, vem adotando diretrizes comuns de racionalização do ensino que convergem todas para a profissionalização, o encurtamento dos anos de estudo e a eliminação de diplomas ‘inúteis’. A França, que se orgulhava outrora de ser a ‘mãe das letras e das artes’, agora só pensa em eficiência e performance. Um relatório sobre a Universidade, redigido por uma comissão a pedido do ex-governo socialista, fixava como uma das principais ‘missões’ do ensino superior ‘adaptar-se às profissões do futuro e ao espírito de empresa’ (ver ‘Pour un Modèle Européen d’Enseignement Supérieur’, Paris, Stock, 98).
As primeiras consequências dessa orientação apareceram, em 2000, num projeto do Ministério da Educação que restringia brutalmente o ensino das letras, considerado elitista e supérfluo na Europa moderna. Houve reações de protesto (publiquei a esse respeito um artigo, ‘Em Defesa da Literatura’, no Mais! de 18/6/2000). Atualmente, com o avanço dos partidos de direita em toda a Europa e o eclipse da esperançosa ‘exceção francesa’, todos aqueles protestos parecem antiquados e vãos.
Evidencia-se, cada vez mais, que as desejadas parcerias são facilmente obtidas quando as empresas obtêm um retorno em forma de lucro, isto é, nas áreas científicas, tecnológicas ou diretamente econômicas e gerenciais. As humanidades, logicamente, oferecem poucos atrativos para a iniciativa privada. Na ponta do lápis, as humanidades não são rentáveis. Os sinais desse desinteresse progressivo pelas humanidades já vêm de longe. Ainda nos anos 70, um empresário bem-intencionado, que integrava então o Conselho Universitário da USP, perguntou-me: diga-me francamente, para que servem disciplinas como ‘sânscrito’ ou ‘estudos camonianos’? Ele considerava essas ‘extravagâncias’ como ônus nocivos ao bom funcionamento da Universidade. O verbo ‘servir’ ganhava já um sentido exclusivamente pragmático.
A própria história da USP espelha essa tendência mundial. Quando foi criada a Faculdade de Filosofia, em 1934, ela foi pensada como a ‘celula mater’ da Universidade. Diferentemente das faculdades profissionalizantes já existentes, ela se voltaria para os estudos humanísticos e científicos ‘puros’, para o conhecimento desinteressado, e promoveria a integração entre os diversos saberes, sem a qual não existe ‘Universidade’. O decreto de fundação da USP, assinado por Armando de Salles Oliveira, partia da afirmação de que ‘a organização e o desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística constituem as bases em que se assentam a liberdade e a grandeza de um povo’ e apontava, como um dos fins da Universidade, ‘transmitir, pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito ou sejam úteis à vida’. Todas essas afirmações soam, hoje, como idealistas e utópicas. Fala-se agora, brutalmente, do ‘triste fim do mito da USP’, que seria visível no colapso iminente da sua ‘ex-celula mater’.
Se lembro aqui as origens da FFLCH não é por saudosismo ou apego à tradição. É para que, à maneira reflexiva que a caracteriza, reexaminemos a sua história e pensemos o seu presente. A aliança entre o ensino profissionalizante, a pesquisa aplicada e a pesquisa pura, idealizada pelos fundadores da USP, evoluiu para o conflito, em prejuízo da última. Um artigo de Marilena Chauí, numa publicação comemorativa dos 60 anos da USP (‘Estudos Avançados’, nº 22, set-dez/94), mostrava, a partir de documentos programáticos datados de 67 a 94, as mudanças ocorridas na concepção da Universidade por parte de seus integrantes. Os ‘novos engenheiros da mudança universitária’, dizia Chauí, alegam que, ‘à medida que o modelo de produção capitalista transformou a C&T em forças produtivas, não só tornou obsoletos os antigos humanistas e pesquisadores puros, como ainda exige adequação da Universidade à nova realidade histórica, se esta não quiser perder-se em abstrações’.
Além de serem inúteis, os estudos humanísticos revelaram-se, ao longo do tempo, incômodos para os governantes e tecnocratas, por exercerem e estimularem o espírito crítico. Com sua mania de ‘perder-se em abstrações’, a FFLCH foi se tornando uma unidade problemática. Durante a ditadura militar, ela foi a mais vigiada, a mais punida com aposentadorias compulsórias de professores, com a perseguição de alunos e finalmente com a invasão e a depredação dos seus locais. Nos primórdios da era mercadológica, seus professores foram tachados de ‘improdutivos’. As repreensões que ela recebe agora, por parte de um vice-reitor economista, decorrem da mesma má vontade para com essa faculdade incômoda: falta de planejamento, irresponsabilidade administrativa.
Para agravar a situação atual, alguns docentes da própria FFLCH tendem a procurar um bode expiatório dentro dela mesma, por exemplo, nos cursos de letras, que por seu gigantismo atrapalhariam o bom funcionamento do conjunto. Sobrepondo critérios gestionais e paroquiais a critérios acadêmicos, esses docentes desejam a separação das áreas. Em vez de buscar uma melhor integração dos departamentos - e a prática de uma real interdisciplinaridade que, pela afinidade de seus objetos de estudo, seria proveitosa a todos -, optar-se-ia pela atomização da faculdade. Ora, essa atomização, além do prejuízo acadêmico, traria, a curto termo, um enfraquecimento político ainda maior de cada um dos departamentos de humanas no conjunto da Universidade. Os cursos de letras, diga-se de passagem, são os que proporcionam mais empregos para os seus diplomados e os que mais atendem, pelo ensino de línguas e literaturas, às necessidades atuais de compreensão das culturas, útil até mesmo para o bom desempenho das empresas multi e transnacionais.
A crise hoje vivida pela FFLCH, causada, como se sabe, pela falta de professores e de salas de aula, pode ter um efeito salutar. Em primeiro lugar, ela evidencia que a procura por esses cursos, apesar de seu desprestígio, é enorme. Essa unidade acolhe 20% do total de alunos da USP. Além disso, a crise põe a nu o mal-estar essencial dos estudos humanísticos na era da globalização econômica. Convém, então, responder à insistente pergunta: para que servem esses estudos?
Servem para que a Universidade continue a ser, além de um local de pesquisas científicas e tecnológicas, um lugar onde se exerce também o pensamento crítico, sem o qual esses avanços procederiam às cegas. Sem a compreensão da história dos homens, de seu habitat natural e social, de suas línguas, culturas e religiões, as conquistas científicas e tecnológicas são utilizadas ou inviabilizadas num mundo guerreiro e repartido de forma injusta. As humanidades servem para pensar a finalidade e a qualidade da existência humana, para além do simples alongamento de sua duração ou do bem-estar baseado no consumo e nas metas do FMI. Servem para estudar os problemas de nosso país e do mundo, para humanizar a globalização. Tendo por objeto e objetivo o homem, a capacidade que este tem de entender, de imaginar e de criar, esses estudos servem à vida tanto quanto a pesquisa sobre o genoma.
Num mundo informatizado, eles servem para preservar, de forma articulada, o saber acumulado por nossa cultura e por outras, estilhaçado no imediatismo da mídia e das redes. Por outras palavras: em tempos de informação excessiva e superficial, servem para produzir conhecimento. Eles servem para ‘agregar valor’, como se diz no jargão mercadológico. No ensino superior, os cursos de humanidades são um espaço de pensamento livre, de busca desinteressada do saber, de cultivo de valores, sem os quais a própria idéia de Universidade perde sentido. Por isso eles merecem o apoio firme das autoridades universitárias e da sociedade, que eles estudam e à qual servem.
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