26 de jan. de 2016

Fichamento - Sociedade de Corte (Norbert Elias)

Fichamento: A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte  - Capítulo 6 a 9.



CAP 6 -  O rei prisioneiro da etiqueta e das chances de prestígio
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·         Ponto fraco da nobreza -> para permanecer na elite precisa segregar os outros grupos (marcando a distinção) e se autoafirmar constantemente.
- Isso atende as necessidades de dominação do rei, que usa disso para submeter a nobreza
- Forma uma corrente de interdependência que envolve rei e nobreza.
Ex 1: Pode ser rompida se um nobre, por exemplo, parar de se importar com os valores da nobreza.

·         O rei tinha interesse na manutenção da nobreza como camada distinta e separada.
            - Porque o Rei fazia parte da nobreza, era chefe (pois estava acima) e também membro dela.
- A ruína da nobreza era a ruína de sua própria casa.

·         Etiqueta – o Rei também cultivava, mas para ele tem outro sentido
- não era só um instrumento de diferenciação ou mera cerimonia, mas também de DOMINAÇÃO dos súditos. (133).
- é preciso marcar uma distancia, quanto maior a distancia, maior o respeito
- a etiqueta era a manifestação mais visível da distinção e dominação do rei.
- o fim da nobreza – se manter nobreza;
- o fim do rei – se manter rei.

·         CORTE como estrutura de dominação - prescreve as vias e meios específicos de dominação do REI
- é a figuração central de toda a estrutura de dominação, por meio dela o rei governa a região mais ampla.

·         TAREFA: 1 tornar compreensível esse campo de atuação do rei como meio de dominação; 2 como a corte se constitui paralelamente nessa estrutura e como se reproduz de geração em geração


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QUESTÃO: como se define as interdependências que ligam entre si os cortesões, campo de dominação do rei?
·         REI – se encontra numa situação única. Não sofre pressão vinda de cima.
·         os demais cortesão sofrem pressão vinda de cima, dos lados e de baixo.
·         A pressão vinda de baixo não é INSIGNIFICANTE.
- Mas os súditos do rei não agem todos na mesma direção. LUTAM UNS CONTRA OS OUTROS > ANULANDO suas forças sobre o rei.
- todos concorrem individualmente por chances de prestigio, estão divididos internamente
- Frágil balança de tensões.

-Cabe ao REI vigiar continuamente para que as divergências dos súditos trabalhem ao ser favor
- Método que o rei  a união da corte contra ele: PROMOVE E MANTEM o equilibro de tensões na corte – pressupostos de sua dominação. (P. 135)

·         Weber: tipologia das formas de dominação -> destaque -> dominação carismática: dominação de tempos de crise > Caráter extraordinário - > a não ser que a guerra a crise vire rotina
·         Dominação carismática - Guia o grupo central, precisa provar sua capacidade constantemente, previsibilidade menor, possibilidade de planejamento restrita, nenhuma etiqueta ou mecanismo pode ajuda-lo, sua capacidade individual precisa se confirmar sempre. Tem que confiar no seu grupo central; líder se aproxima pessoalmente dos homens
·         dominação absolutista - cercado pela corte – guia elites na sua rivalidades internas, busca minimizar os riscos de intervenções, explora as tensões em seu beneficio, alto grau de calculo; nunca pode confiar nos súditos; homens buscam se aproximar do líder
·         Luis 14 exemplo de soberano conservador tradicional > há situações que para ser controladas requerem calma e mediocridade (medianidade).
o   Tinha que impedir que os súditos se voltassem contra ele.
o   Pra isso não precisou conquistar as pessoas nem criar nada novo (como faria o líder carismático), mas sim em preservar a estrutura de dominação existente. Manter o curso das que mantinham os grupos separados entre si.
o   Tinha que saber guiar as pessoas (142) e supervisiona-las
o   Observação e supervisão > instrumento de defesa
o   O sistema já estava pronto,  precisava então bom sens, não precisava de um espirito inventivo para reinar. 144
·         Diferença na figuração e não entre os indivíduos 145
·         A DIFERENÇA entre Racionalidade de valor e racionalidade de fins perde sua força.
o   A racionalidade de ‘valor’ constitui-se de ações praticadas cujas conseqüências previsíveis não são consideradas porque se dão com base em convicções éticas, religiosas, morais ou estéticas.
o   Segundo Weber (1999, p. 16, grifo do autor): “age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins, meios e conseqüências secundárias, ‘ponderando’ racionalmente tanto os meios em relação às conseqüências secundárias, assim como os diferentes fins possíveis entre si”
o   Em ambos os casos a "dominação" é ao mesmo tempo um fim autêntico e um valor autêntico para seu detentor. Os instrumentos que servem para assegurar essas "dominações" também participam simultaneamente da "racionalidade de fins" e da "racionalidade de valor". 146

·         Particularidade do rei Luis 14 que teve o trono ameaçado. Luis 15 não teve esse problema
o   Fetiche por prestigio - sede de prestígio do próprio rei, na exigência de não apenas possuir o poder sobre os outros, mas também de vê-lo constantemente reconhecido, por meio das palavras e dos gestos de todos.
o   reivindicações de prestígio muito acima das financeiras, considerando estas últimas em certa medida como acessórios daquelas 148
·         2 fatos estão entre as condições decisivas da sua grandeza como rei:
o   1 - o fato de ele ter desenvolvido as chances que sua posição lhe oferecia visando a glória e o prestígio do rei — dele mesmo —,
o   2 - o fato de suas inclinações pessoais tenderem para a mesma direção.
·         ACORDO GERAL: entre o rei e as camadas superiores, tinha suas raízes na igualdade da motivação primordial, da motivação pelo prestígio.
o   Guerras aumentava sua reputação 149
·         AUTOENGAJAMENTO do rei - não podia submeter os outros indivíduos sem submeter-se a si mesmo.
·         a etiqueta e o cerimonial são instrumentos de dominação, formas de expressar a coerção que o próprio poder exerce sobre o seu detentor.
·         QUESTÃO: como conservar durante tanto tempo seu controle sobre todo esse esquema multiforme?
o   RESPOSTA: acham-se na sociedade de corte, de um modo aberto e em larga escala, alguns fenômenos que são encontrados atualmente de modo muito mais velado e dissimulado sob a superfície das organizações altamente burocratizadas.
·         CRÍTICA A PARSONS: 154-155
o   Enquanto uma teoria sociológica da ação normalmente é fundamentada na representação de um indivíduo singular destacado de um sistema social, a teoria dos sistemas costuma basear-se na representação de um sistema social destacado dos indivíduos singulares
o   CONCEITO DE FIGURAÇÃO: é neutro. Ele pode se referir a relações harmoniosas, pacíficas e amigáveis entre as pessoas, assim como a relações hostis e tensas.
o   QUESTÃO: Será que, com isso, o problema da relação entre o indivíduo e a sociedade se encontra mais perto de uma solução?
o   RESPOSTA: É necessário avançar mais alguns passos, se quisermos mostrar pelo menos o esboço de uma solução.
§  as figurações que os indivíduos formam entre si possuem a particularidade de poder continuar existindo, com poucas exceções, mesmo quando todos os indivíduos que as constituíram em determinado momento já estão mortos e seu lugar já foi tomado por outros.
·         QUESTÃO: Em que sentido podemos dizer que se trata em ambos os casos de uma figuração específica, para a qual se usa o mesmo conceito — a figuração de uma "corte" e de uma "sociedade de corte"?
o   A teoria sociológica da interdependência, que serviu de fio condutor para as investigações precedentes e que, por sua vez, ganhou precisão e clareza por meio delas, atém-se estritamente aos fatos. 157
o   Assim, por meio de tal análise figuracional orienta-se a pesquisa histórica e social por uma via que torna possível uma maior continuidade da pesquisa. As conexões que vêm à tona aqui não são determinadas por ideais preconcebidos do pesquisador; para que possamos percebê-las e elaborá-las de modo claro e distinto, muitas vezes é preciso fazer uma abstração de nossos próprios ideais 157
o   RESPOSTA: Não podemos saber o que a palavra "liberdade" significa genericamente enquanto não compreendermos melhor as coerções que os indivíduos exercem entre si, sobretudo as necessidades humanas moldadas socialmente, pelas quais eles se tornam dependentes uns dos outros.
o   a investigação detalhada de uma determinada sociedade fornece material para uma investigação do problema teórico mais genérico, acerca da relativa dependência ou independência dos indivíduos em suas relações recíprocas. Da mesma maneira, essa investigação mais geral também auxilia no esclarecimento daquela primeira, mais detalhada. 159
o   EXEMPLO:  Jogo De Xadrez - É isto que expressa o conceito de interdependência: como em um jogo de xadrez, cada ação decidida de maneira relativamente independente por um indivíduo representa um movimento no tabuleiro social, jogada que por sua vez acarreta um movimento de outro indivíduo — ou, na realidade, de muitos outros indivíduos —, limitando a autonomia do primeiro e demonstrando sua dependência 158
***
CAP 7 - A formação e a transformação da sociedade de corte francesa como funções de deslocamentos sociais de poder
160

·         Toda forma de dominação é resultado de uma luta social, é a consolidação do modo de distribuição do poder que resulta dessa luta. 160
·         o desenvolvimento social na origem de um regime, é determinante para sua forma especifica e para seu destino posterior.
o   EX: o absolutismo prussiano, que só adquiriu uma forma consolidada e só incluiu a nobreza feudal em sua estrutura de dominação muito depois do absolutismo francês, pode criar uma estrutura para a qual ainda faltavam condições na época do estabelecimento do regime absolutista na França.
·         Os reis não se encontravam, de maneira alguma, fora dessa linha de desenvolvimento
o   Os reis estavam inseridos em uma determinada tradição
§  1 fato – o rei era o elo da nobreza com a tradição. O rei francês sentir-se como um nobre, de ter sido educado segundo os costumes e a mentalidade da corte, de ser formado por esses costumes em termos de atitude e pensamento. Isso explica pq país como a França atravessou toda a Idade Média, até a época moderna, sem uma ruptura verdadeira — em contraposição a regiões da Alemanha.
§  2 fato - Os reis franceses travaram durante séculos uma luta não-decidida com a alta nobreza e seus partidários.161
·         Os reis faziam parte da sociedade aristocrática, no que dizia respeito aos seus costumes, às suas formas de comportamento, às suas motivações. Essa sociedade e sua sociabilidade característica são elementos indissociáveis do modo de existência deles.
o   TODAVIA o peso que cada um dos reis tinha dentro de sua sociedade era diferente
o   LUIS 14 – comportamento com relação a nobreza seguia 2 tendencias que determinam a posição da nobreza nessa estrutura de dominação:
§  1 tendência a: produzir e assegurar o poder pessoal e irrestrito do rei, por meio de todos os gêneros de instituições, em relação a todas as exigências de poder da pequena e da -alta nobreza.
§  2 tendencia: conservar a nobreza como ordem dependente do rei, a serviço dele, mas totalmente diferenciada de todas as ordens restantes, constituindo a única sociedade adequada e necessária para o rei, com sua cultura específica. 163-164
·         Já existia na França uma luta entre a nobreza e a realeza há muito tempo.
o   essa luta finalmente foi decidida em favor da realeza,
o   O aumento contínuo e extraordinário do poder do reis em relação à nobreza foi consequência de deslocamentos sociais que se deram fora da esfera de dominação dos reis ou dos indivíduos e mesmo de determinados grupos de indivíduos.
·         Fluxo de metais preciosos funcionou como um catalizador (aumenta a velocidade da reação)
o   O aumentou o dinheiro em circulação > Acarretou o uma grande inflação
o   Para os nobres a inflação significou um profundo abalo, ou até mesmo uma destruição dos fundamentos econômicos de sua existência.
o   A nobreza tirava de suas terras rendimentos fixos. Como os preços estavam subindo continuamente, o produto de seus rendimentos contratuais não supria mais os seus gastos. 165
·         REI era o único nobre que NÃO SE PREJUDICOU -       sua base econômica, posição poder e distância social não foram reduzidas por esses acontecimentos; muito pelo contrário, foram aumentadas
o   Enquanto o rei estava em ascensão, o resto da nobreza se encontrava em decadência;
o   Houve então um deslocamento de equilíbrio
o   A distância que Luís XIV passou a manter entre si e a nobreza (distância manifestada conscienciosamente na etiqueta , por exemplo) não havia sido "criada" simplesmente por ele, mas por todo esse desenvolvimento da sociedade que dotou a função social do rei de chances imensas, enquanto diminuía as chances do restante da nobreza.
·         GUERRAS: Igualmente significativa para o destino dos nobres foi a mudança na prática da guerra que se realizou no mesmo período. O peso comparativamente grande da nobreza medieval SE BASEAVA nos empreendimentos bélicos dos nobres.
o   Os nobres tinham que arcar sozinhos com a maior parte das despesas para os preparativos militares — armaduras, cavalos e armas, tanto para si quanto para seus homens —, usando os lucros de suas propriedades ou, em certos casos, os próprios produtos de pilhagens 167
o   ARMAS DE FOGO: Com o desenvolvimento de armas DE FOGO contra as quais as armaduras não eram mais eficazes, o equilíbrio social se deslocou em detrimento da antiga nobreza guerreira.
·         as crescentes chances financeiras, proporcionadas aos governantes por sua posição social, eram acompanhadas pela redução simultânea das chances financeiras tradicionais da nobreza rural.
o   a valorização cada vez maior da prática da guerra baseada em exércitos de soldados com armas de fogo era acompanhada pela desvalorização simultânea da prática de guerra tradicional dos cavaleiros.
o   Essas circunstâncias diminuíam a dependência do soberano em relação à nobreza e aumentavam a dependência inversa.
o   O deslocamento do equilíbrio de forças no relacionamento entre a nobreza e o rei não pode ser compreendido conceitualmente como se tivesse seu início em uma única esfera do desenvolvimento social. 168
·         não podemos esquecer o fato de que as antigas relações feudais estão presentes nessa economia, mesmo transformadas pela corte. Um dos elementos constitutivos desse comportamento do rei de corte em relação à nobreza de corte, e vice-versa, é o fato de ele ter se desdobrado a partir da antiga interdependência feudal dos reis cavaleiros e de seus vassalos e seguidores.

·         QUESTÃO O que restava a nobreza para se fazer indispensável ao rei? Por que o rei precisava da nobreza?
o   Para manter o equilíbrio de seu reino, os reis tinham que sustentar a nobreza, mas ao mesmo tempo precisavam distanciar-se dela. Os reis tinham grande interesse na manutenção do equilíbrio sempre instável e oscilante. Eles podiam ser ligados à nobreza de uma maneira especial, por sua origem e costumes. Entretanto, não podiam atribuir-lhe uma preponderância que colocasse em risco o equilíbrio da sociedade de Estado, tampouco às corporações burguesas, caso não quisessem ameaçar os fundamentos de seu próprio espaço de exercício do poder. 187

o   para que o rei precisava da nobreza: precisava dela como uma "sociedade" sua, e dos nobres como seus servidores pessoais. O fato de o rei ser servido pela nobreza o distanciava de todas as outras pessoas do reino. Até mesmo os encargos militares e diplomáticos da nobreza não passavam, no fundo, de funções derivadas daquelas funções de corte.

o   Objetivamente, ele precisava da nobreza como contrapeso às outras camadas de seu reino. A aniquilação da nobreza, a supressão da distância que a separava da burguesia, o aburguesamento da nobreza, essas coisas teriam provocado um grande deslocamento do equilíbrio dessa figuração, um significativo aumento do poder das camadas burguesas e uma dependência dos reis em relação a elas. Tanto que os soberanos, mesmo sem compreender com clareza o sentido desse equilíbrio para sua própria posição social em seu reino, zelavam ciosamente pela preservação das distinções entre os estados, mantendo assim a condição da nobreza como uma camada própria, bem diferenciada. Contudo, se os reis precisavam da nobreza e por isso a sustentavam, também tinham de preservá-la de maneira que o perigo que ela representava para a realeza fosse suprimido amplamente. 188

·         Francisco I representou a passagem entre o rei cavaleiro e o rei cortesão 171
o   um traço marcante do caráter de transição desse período É o fato de não haver nenhuma construção espaçosa o suficiente para abrigar a corte em expansão
o   A CORTE ainda NÃO ESTAVA FIXADA NUM local determinado, viajando de castelo em castelo 174
o   todas as relações são fluidas nesse período: o ordenamento hierárquico dos cortesões é instável, a transmissão hereditária de cargos é mais restrita.
o   Por isso a mobilidade da corte e a vida guerreira não deixam muito espaço para elaboração de uma etiqueta rígida
o   apesar de todas as perturbações, revoltas e lutas que marcaram esses séculos, o sistema social na França voltou sempre a se equilibrar, retomando de modo contínuo a direção de uma monarquia absolutista

·         LEGITIMIDADE DO REI - Uma figuração com tal equilíbrio de tensões, na qual as duas ordens preservavam um razoável equilíbrio dava ao rei legítimo, aparentemente distanciado de ambos os grupos, a chance de aparecer pacificador, trazendo para os adversários esgotados a tranqüilidade ansiada por todos.
o   Era essa uma das principais tarefas de Henrique IV. Ela também contribuiu de maneira decisiva para a sua vitória.
o   No final, o rei sempre renovava o seu caráter de aliado de todas as camadas ou corporações ante as ameaças de outros grupos e corporações que elas, não podiam dominar sozinhas.
o   O REI governava porque e enquanto os grandes grupos sociais da burguesia e da nobreza, em acirrada rivalidade pelas chances de poder, mantinham a balança em equilíbrio.
o   grupos e corporações fazem alianças, mas cada um deles teme que o outro possa conquistar um poder excessivo. Cada um se sente ameaçado pelo poder que o outro adquire, e essa divisão da França em camadas e grupos, entre os quais nenhum é capaz de conquistar uma clara supremacia a partir de suas bases sociais, tornava todos eles dependentes em maior ou menor grau do rei, dependentes de um pacificador social, da ÚNICA GARANTIA DE UMA RELATIVA SEGURANÇA DIANTE DA AMEAÇA DOS RIVAIS. 185
o   O fator decisivo era que a legitimidade da descendência elevava o rei acima dos grupos em tensão, tanto na consciência das diversas camadas quanto na sua própria.
o   a "legitimidade" da descendência do rei acaba aparecendo como uma garantia de que o soberano, levado ao poder com base no direito vigente, não tem obrigações em relação aos outros grupos, nem está envolvido unilateralmente com os interesses destes.

·         NOÇÃO DE CULTURA: Uma tal investigação poderia contribuir em muito para modificar a noção atual de cultura.
o   Hoje em dia, o termo "cultura" é empregado freqüentemente como se designasse um fenômeno livre e independente, pairando acima dos homens e não em conexão com o desenvolvimento social de associações humanas,
o   A cultura de corte foi se tornando uma cultura dominante no decorrer dos séculos XVI e XVII, porque a sociedade de corte tornou-se a principal formação de elite ao longo da progressiva centralização da estrutura estatal, especialmente na França

·         Perguntar por que o desenvolvimento tomou essa direção na Prússia e aquela outra na França quer dizer, ao mesmo tempo, desdobrar o problema da diferenciação dos desenvolvimentos nacionais como um todo. Seria possível mostrar o significado que teve, para a formação da Prússia, o fato de que a corte prussiana moderna precisou ser recriada segundo modelos estrangeiros, enquanto na França, com um desenvolvimento gradativo ao longo de séculos, ela ganhou uma determinada conformação tradicional, sem que fosse preciso ser "criada".
o   Não só a estruturação da nobreza é diferente na França e na Alemanha, ou melhor, na Prússia, mas também a estruturação da função pública; os dois fatos estão intimamente ligados, um não pode ser compreendido sem o outro.
o   Um dos aspectos característicos da função pública no Ancien Regime era a instituição da compra de cargos oficiais. Independentemente de como isso surgiu, o fato é que se consolidou de modo cada vez mais decisivo no decorrer do século XVI, com algumas oscilações, sendo que no período de Henrique IV tornou-se praticamente impossível suprimi-lo sem violentas reviravoltas nas relações sociais como um todo. Ao longo de toda a sua estruturação, a realeza de corte do Ancien Regime esteve ligada indissoluvelmente a tal instituição.

·         Abandonar a nobreza à sua sorte era algo que não passava por sua cabeça.
o   não era só a tradição que o impediam de ter tais pensamentos, mas também o equilíbrio das estruturas de sua dominação. Ele não podia decidir livremente se ia conservar a nobreza ou deixá-la sucumbir. Precisava dela sob vários aspectos

·         QUESTÃO: A nobreza estava subjugada. Mas como suportava ela esse jugo, que era também uma humilhação? Uma vez que estava vedada qualquer possibilidade de uma resistência aberta, como ainda expressava sua resistência interna? 205
·         RESPOSTA: a nobreza precisava do rei porque nesse campo social somente a vida em sua corte lhes dava acesso às chances econômicas e de prestígio que possibilitavam uma existência de nobres.
·         O rei precisava da nobreza. Além de todas as dependências específicas que foram questionadas ao longo deste estudo da necessidade de convívio com a sociedade a que ele próprio pertencia e de cujos costumes partilhava, e da necessidade de distanciamento de seu povo, por meio dos serviços daquele estado que estava acima de todos os outros, em termos de nível e de prestígio — além de tudo isso, o rei necessitava da nobreza para assegurar o equilíbrio de tensões entre as camadas em que ele se apoiava. E um equívoco ver o rei apenas como o opressor da nobreza; é igualmente um equívoco vê-lo apenas como o provedor da nobreza. Ele era ambas as coisas. Também seria errôneo destacar apenas a dependência da nobreza em relação ao rei. Até certo ponto, o rei também era dependente da nobreza — assim como todo soberano autocrata também depende de seus súditos, especialmente dos grupos de elite desses súditos.
o   Eles podiam compensar de tal modo todos as aflições e humilhações que tinham de tolerar a serviço do rei — pela consciência de serem influentes na corte, pelas chances financeiras e de prestígio de que se beneficiavam — que mesmo de acordo com a maneira de pensar desses homens, a aversão ao rei e a exigência de se libertar da sua pressão restringiam-se em grande medida.
o   se expressava de modo tortuoso, por exemplo nas conversas com outros nobres. Essa atitude compensatória constituía um dos pólos na escala de possibilidades em que a nobreza se movia.
o   UM nobre cortesão podia dar prioridade aos aspectos negativos dessa relação ambivalente. Nesse caso, ele se permitiria, pessoalmente — e talvez em círculos íntimos de confiança —, dirigir críticas severas ao governo do soberano, fazendo planos secretos, para depois da morte do rei, que possibilitariam à nobreza, sobretudo à alta nobreza, recuperar seus direitos perante o rei e os ministros de origem burguesa. 205

·         NOBREZA: CAMADA SEM FUNÇÃO 210
o   a nobreza foi perdendo passo a passo muitas das funções que tivera até então, nesse campo social, para os grupos burgueses; ela perdeu as funções administrativas, judiciárias e, em parte, até as funções militares para membros das camadas burguesas; mesmo a parcela mais significativa das funções de um gouverneur estava nas mãos de burgueses.
o   HAVIA um encadeamento de funções dentro do qual, direta e indiretamente, cada camada ou grupo do campo social em questão satisfaz necessidades de cada um dos outros grupos, portanto um encadeamento de funções como os que são encontrados às vezes em nações profissionais-burguesas.  MAS A nobreza do Ancien Regime não tinha nenhuma função para a "nação".
o   EMBORA TIVESSE UMA FUNÇÃO PARA O REI, A soberania deste tinha como pressuposto a existência de uma nobreza que contrabalançasse as camadas burguesas, assim como a existência e a força de camadas burguesas como um contrapeso à nobreza. 211

·         Uma das questões centrais da sociologia, seja saber de que modo e por que os indivíduos estão ligados entre si, constituindo, assim, figurações dinâmicas específicas. 213
o   nos distanciamos da teoria da sociologia nominalista (O nominalismo é a doutrina que não admite a existência do universal nem no mundo das coisas, nem no pensamento),
o   Em oposição a tais orientações nominalistas da sociologia, a investigação das formas sociais como figurações de indivíduos interdependentes prepara o caminho para uma sociologia realista. Pois o fato de os homens não se apresentarem como seres totalmente fechados em si mesmos, mas sim interdependentes, constituindo diversas figurações em sua convivência, pode ser observado e comprovado por meio de investigações empíricas. 214

·         Luís XIV foi um homem insignificante mas um rei significativo.
o   Não se pode determinar o valor de alguém sem considerar seu percurso no âmbito de sua interdependência, de sua posição e de sua função em relação aos outros.216
o   A noção de que as investigações sociológicas nivelam e igualam os homens como indivíduos só é justificada na medida em que se faz uso, na pesquisa, de teorias e métodos sociológicos que tratam os fenômenos sociais não como figurações de indivíduos, mas como fenômenos que existem fora e além dos indivíduos. Quando percebemos o indivíduo como uma pessoa em figurações que ele constitui junto com outras pessoas, isso aprofunda e dá vigor a nossa compreensão da individualidade 218


***

CAP 8 - Sobre a sociogênese do romantismo aristocrático no processo de curialização


·         No período de transição em que uma parte da nobreza cavaleiresca da França, reforçada por alguns elementos da burguesia ascendente, transformou-se em uma nobreza aristocrática de corte, na primeira fase do processo de curialização, é possível observar alguns dos fenômenos muitas vezes associados apenas ao desenvolvimento recente e, em especial, aos processos de industrialização e de urbanização industrial.
·         VIDA NO CAMPO IDEALIZADA: exame das tendencias românticas na corte
·         O desenvolvimento da imagem humana a partir daquilo que vivenciamos como "natureza" é um dos aspectos do desenvolvimento global da sociedade. 233
o   não evocavam a vida no campo, a vida "natural" como ela realmente era; de acordo com suas convenções sociais, ela aparecia com um disfarce idealizado: a vida de pastores com as quais sonhavam não tinha quase nada a ver com a vida real, trabalhosa e muitas vezes bastante pobre, dos verdadeiros pastores.220
o   o romantismo pastoral, que já aparecia prefigurado como tema episódico nos romances de cavalaria, expressa a nostalgia dos fidalgos da corte e de suas damas pela vida no campo, embelezada pelo brilho da distância.
·         critérios do desenvolvimento da sociedade que no futuro poderão servir como base para comparar diversos estágios de desenvolvimento, portanto também para determinar a orientação do desenvolvimento em cada estágio.
o   1 Entre os mais simples desses critérios encontra-se o número de contatos rotineiros que pessoas de diferentes camadas, de diferentes faixas etárias ou gêneros têm, em determinado estágio de desenvolvimento da sociedade.
o   2 Outros critérios são o número, a duração, a densidade e a estabilidade das redes de interdependências que tais indivíduos constituem junto com outros indivíduos em determinado estágio de desenvolvimento, dentro de um continuum espaçotemporal em comparação com estágios anteriores ou posteriores.
o   3 Podemos mencionar ainda os equilíbrios de tensões centrais de uma sociedade: o número de centros de poder aumenta com a progressiva diferenciação das funções; a distribuição irregular de poder diminui — sem chegar a desaparecer.
o   E, por fim, entre esses critérios está o nível dos três meios fundamentais de controle dos indivíduos na sociedade:
§  o controle sobre os acontecimentos naturais extra-humanos,
§  o controle dos indivíduos sobre os outros indivíduos,
§  e o controle de cada homem singular sobre si mesmo.
Estes também se alteram de estágio para estágio, de uma maneira característica, embora não apenas no sentido de um simples acréscimo ou decréscimo.
·         o que há de comum entre essas tendências românticas é seu caráter de sintoma das frustrações emocionais específicas, que têm conexão com a transição para uma rede de interdependências cada vez mais abrangente e diversificada e, como foi dito, para coerções de dominação e autocoerções igualmente diversificadas.
o   Diante da pressão de tais coerções, o homem procura a salvação em imagens oníricas que lhe mostram, projetada no passado, uma vida mais livre, simples, natural, menos pressionada pelas coerções.
o   intensificam-se os traços de valor negativo na imagem de seu próprio presente, do qual anseiam escapar;
o   A função que as imagens idealizadas da vida no campo têm, na sociedade de corte do Ancien Regime, ilustra essa função de um passado que contrasta com as coerções e as calamidades do presente. A evocação da vida simples no campo liga-se, muitas vezes, ao anseio por uma liberdade e espontaneidade que um dia existiram mas agora desapareceram. 229
o   JARDIM DO PALÁCIO - De acordo com o gosto do rei, as árvores e plantas em seu jardim devem ser agrupadas em formas regulares, facilmente distinguíveis, como os cortesãos durante as cerimônias. As copas das árvores e os arbustos devem ser cortados de tal modo que desapareça qualquer vestígio de crescimento desordenado, descontrolado. As aléias e os canteiros devem ser dispostos de modo que a composição do jardim mostre a mesma clareza e elegância da articulação encontrada na arquitetura das construções reais
o   Só com o processo de curialização e de urbanização é que os campos e aldeias, planícies e montanhas tornaram-se, por contraste, um espetáculo que se desenrola à distância. E quanto mais a corte absolutista se consolidava, maior a força e a determinação desse caráter de paisagem atribuído à natureza, uma paisagem em que a sociedade da época se refletia. 233
o   Nas mãos dos pintores de corte, a natureza torna-se uma espécie de cenário nostálgico da vida cortesã, uma paisagem clássica de início, depois barroca e, finalmente, rococó, em conformidade com o desenvolvimento da própria corte e da sociedade de corte. 233

·         A figuração dos indivíduos na corte, a estrutura das interdependências em que eles se encontram envolvidos e a forma das coerções a que se encontram submetidos dão continuidade, em certo sentido, às figurações, às estruturas de interdependência e à coerção das fases precedentes. 235
·         CRITICA A MARX – 235
·         Na realidade, estamos lidando com uma mudança gradual dos agrupamentos humanos em torno da corte, ou, dizendo de outro modo, uma mudança da estrutura da corte 236
·         NOÇÃO DE UMA CONTINUIDADE ABSOLUTA - a expressar não só a continuidade quantitativa, como também a relativa descontinuidade da figuração, o caráter sociológico mutante, a transição para um outro gênero de figuração 238
o   Em processos de desenvolvimento social de longa duração, não há nem começos absolutos nem causas absolutas. 239

·         Foi sobretudo esse aspecto da distância social entre a corte e o campo, a discrepância entre a grande complexidade e diversidade da vida na corte e a relativa simplicidade da vida em grupos no campo, que levou os cortesãos ao sentimento de nostalgia pelo campo, de alienação da vida simples, de idealização de uma vida campestre idílica. Justamente porque se tratava de uma imagem idealizada, ela era bastante compatível com o desprezo pela nobreza de província e pelos camponeses, acompanhado de um certo asco pela vida no campo como ela realmente era 240
o   O que determina o tom tipicamente romântico do ideal de uma vida bucólica, transformado em ideal inatingível, são as coerções das interdependências da corte de que falamos antes: coerções que os indivíduos formadores da corte exercem uns sobre os outros e que impõem a cada um dos cortesãos uma autodisciplina severa já relativamente diversificada e abrangente 241
o   Os fenômenos designados com palavras como "alienação" ou "romantismo" permanecem incompreensíveis em sua estrutura enquanto não incluirmos, na fundamentação teórica de tais conceitos, sua conexão com o desenvolvimento de mecanismos específicos de autocoerção, como elementos integrantes dos indivíduos.242

·         IMPULSO DE DISTANCIAMENTO
o   podemos apreender melhor o processo em que nós mesmos nos encontramos caso tenhamos consciência de que o impulso de distanciamento renascentista, no decorrer do qual os homens aprenderam a conceber a diversidade dos fenômenos naturais como "natureza", é apenas um processo parcial de um impulso de distanciamento mais abrangente.
o   A couraça das autocoerções, as máscaras que os homens singulares das elites de corte desenvolvem então, como parte deles mesmos, de sua própria pessoa, a um ponto que nunca fora alcançado antes, são coisas que também aumentam a distância entre os indivíduos. 244
o   existe ainda um outro impulso de distanciamento que faz parte do contexto geral dessa mudança das interdependências humanas, constituindo um processo parcial determinante. Um aspecto central do novo patamar que os membros das sociedades europeias começam a atingir, a partir do final da Idade Média, é uma elevada capacidade de autodistanciamento. Essa capacidade também está intimamente ligada, do ponto de vista estrutural, ao desenvolvimento de uma couraça mais forte para proteger o indivíduo, na forma de um autocontrole, às vezes mais, às vezes menos automático. 245
·         As mudanças de que falamos anteriormente não são apenas mudanças de idéias consignadas em livros, mas mudanças ocorridas nos próprios homens em conseqüência das mudanças que marcaram as figurações que eles formam uns com os outros. É de tais mudanças dos homens que se trata quando falamos de uma individualização mais intensa 246
·         ROMANCE ARTREIA 249 - O romance descreve o mundo utópico de urna nobreza que se tornava cada vez mais aristocrática, cada vez mais uma nobreza de corte.

***
CAP 9 -  Sobre a sociogênese da Revolução


·         Nas sociedades pré-industriais, a desigualdade na distribuição dos centros de poder é muito grande em relação à que existe nos Estados nacionais desenvolvidos e industrializados.
·         QUESTÃO: em que circunstâncias um deslocamento de poder de longa duração, no âmbito de uma sociedade estatal, leva a uma ação violenta contra os detentores do monopólio da violência física?
§  uma luta da burguesia contra a nobreza (camada dominante), não passa de uma simplificação dos acontecimentos. 268
§  nível social e poder social não coincidiam mais
§  Em razão dessa discrepância entre nível social e poder social, é falso falar de "camada dominante" caso reservemos essa denominação, como às vezes se costuma fazer, apenas à nobreza do Ancien Regime, em lugar de se perguntar que divisão efetiva do poder de Estado no Ancien Regime se escondia por trás da definição jurídica da nobreza como ordem privilegiada homogênea.
§  O que foi dito antes deve ser suficiente para mostrar por que, na compreensão do desenvolvimento estrutural do Ancien Regime, é um equívoco considerar o esquema simples da hierarquia de níveis sociais como se fosse idêntica à hierarquia de poder. No caso da hierarquia dos níveis sociais, talvez seja possível posicionar a nobreza como a camada dominante. Quando observamos a distribuição do poder, descobrimos que, séculos antes da Revolução, as formações sociais de origem burguesa e as formações sociais de origem nobre lutavam pela supremacia sem que nenhum dos dois grupos fosse capaz de derrotar definitivamente o outro, ou mesmo de obter sobre ele uma preponderância definitiva.269
§  Não é possível compreender corretamente a explosão de violência se levarmos em consideração apenas as coerções que pesavam sobre as camadas inferiores, que acabaram por se revoltar; só podemos compreendê-la se também considerarmos as coerções a que estavam submetidas as elites, as camadas superiores, ou seja, as camadas contra as quais a irrupção da violência se dirigiu. 270
·         Quando, no curso do desenvolvimento de longa duração de uma sociedade, as forças sociais de suas diversas camadas e grupos se deslocam de tal modo que grupos relativamente mais fracos, até então excluídos do acesso ao controle do monopólio central tornam-se socialmente mais fortes em relação às camadas até então privilegiadas, existem no fundo apenas três possibilidades de resolver os problemas surgidos de uma tal alteração do equilíbrio de poder.
§  1 A primeira é a admissão institucionalmente regulada, como parceiros das elites monopolistas, de representantes dos grupos sociais que se fortaleceram em relação à posição de poder e decisão que proporciona o controle do monopólio do poder.
§  2 A segunda é a tentativa de imobilizar os grupos que se fortaleceram em sua posição subordinada com concessões, principalmente econômicas, mas sem acesso ao monopólio central.
§  3 A terceira se baseia na incapacidade das elites privilegiadas, condicionada socialmente, de perceber que as relações sociais se alteraram, e com elas as relações de poder. Na França, assim como mais tarde na Rússia e na China, as elites monopolistas pré-industríais do antigo regime seguiram o terceiro caminho.
·         essa a figuração que levou à irrupção da violência na Revolução Francesa. Ao longo do desenvolvimento da sociedade de Estado francesa alterou-se a força latente dos diversos quadros sociais em sua relação mútua 273
§  A distribuição efetiva das chances de poder entre eles se deslocou de tal maneira que não estava mais de acordo com a distribuição do equilíbrio de poder ancorada na rígida carapaça institucional do antigo regime.

§  tudo isso impedia a transformação pacífica das instituições e sua adaptação à nova divisão de forças. Portanto, era muito grande a chance de uma transformação violenta


FONTE: ELIAS, Norbert. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Tradução: Pedro Süssekind; Prefácio, Roger Chartier. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. 

Disponível em: https://construindoumaprendizado.files.wordpress.com/2012/12/elias-norbert-a-sociedade-da-corte.pdf

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