2 de abr. de 2011

A gente somos inútil?



“A gente faz música e não consegue gravar
A gente escreve livro e não consegue publicar
A gente escreve peça e não consegue encenar
A gente joga bola e não consegue ganhar
Inútil...
A gente somos inútil!”

Trecho da música “Inútil”, do grupo Ultraje a Rigor



Uma mesa de debates com o título “Ciências Sociais para quê?” ocorreu na semana de recepção de calouros na maior e mais famosa universidade do país. Composta por intelectuais prestigiados, chegou a uma triste conclusão: não servimos para nada...

Como se não bastasse o fato de termos ininterruptamente questionada a validade de nosso curso – a ponto de ser freqüente que o público, em geral, não saiba nem do que se trata, ou nos confunda com assistentes sociais – a crise de legitimidade se instaurou tão profundamente que nos deixou desbaratados: não sabemos mais qual a nossa função, nosso papel, nosso trabalho.

Em tom de brincadeira, Chico de Oliveira diz, ao responder às questões dos estudantes (que, embora participativos, “choviam no molhado” e tornavam o debate previsível e desinteressante), que ele e a Profª Sylvia Garcia, sua colega na mesa, ensinavam “um monte de bobagens”, e que as Ciências Sociais não serviam para nada. Logo depois, mais sério, disse que os estudantes deveriam se debruçar sobre os textos dos autores da área, sem preconceitos. Disse ainda que uma grande obra teórica – como “O Capital”, de Karl Marx – valia bem mais do que muitos trabalhos visíveis, materiais, que somos desancados por não produzir. Por fim, arrematou: nosso papel como cientistas sociais seria, simplesmente, o de “incomodar”.

A afirmação me incomodou. A tal ponto que eu e a amiga a quem acompanhava nos entreolhamos e decidimos ir embora. Saímos da FFLCH comentando o assunto, pensando que tal posição – aparentemente apoiada por muitos, a se deduzir pelo número de cabecinhas assentindo a tal ou qual frase de efeito, algo observável do fundo de um auditório – era alienada, elitista e contraproducente.

Alienada, porque reflete o pensamento da posição de classe de alguém que está no topo da hierarquia acadêmica, com espaço reconhecido como intelectual influente, e que, olhando o mundo deste ângulo, desconsidera a realidade dos jovens que cursam Ciências Sociais hoje. Se houve tanta concordância quanto pareceu haver, eu a atribuiria ao fato de que todos os que pegaram o microfone – e provavelmente a maioria ali, já que se tratava de palestra de recepção de ingressantes – eram, no máximo, alunos do 3º ano e envolvidos com a tradicional e, infelizmente, embolorada militância estudantil radicalizada. As perspectivas do aluno ingressante e do concluinte ou recém-formado sobre o curso tendem a ser discrepantes. Os primeiros, cheios de expectativa e ainda deslumbrados por haverem ultrapassado a barreira do vestibular, acreditam que farão algo grandioso na sociedade, que terão uma excelente carreira acadêmica ou qualquer outra atividade promissora em que eles esperam “fazer a diferença”. Por outro lado, o concluinte, ou recém-formado, com uma visão mais crítica fornecida pela maturidade e pelo acúmulo de frustrações, se vê, freqüentemente, perdido e tendo o futuro próximo como uma incógnita angustiante. Não há espaço para todos na academia; este é um espaço corporativo e, pela influência das relações de poder que se estabelecem em seu interior, acaba por, não raro, ofuscar o debate intelectual sob as chamas das fogueiras de vaidades; não há muito espaço no mercado de trabalho, onde somos considerados inúteis e quase sempre marcados com estigmas indeléveis.

Achar que é suficiente ao cientista social exercer o papel de “incômodo” permanente à sociedade, cai como uma luva à postura arrogante dos jovens estudantes que se mostram infensos a regras e rigores de qualquer natureza, rotulados de antemão como “repressores”. É uma postura elitista pois acomoda o pretenso intelectual, do alto da torre de marfim ou do baixo chinelo sujo, em sua posição de alguém que se limita, quando muito, a falar com um ar de superioridade da sociedade e suas instituições, como se não fizesse parte delas e como se não lhe coubesse o compromisso de envolver-se de forma ativa e relevante nos problemas que a afligem. Acomoda nas imposturas inócuas a falsa consciência de estarem rebelando-se contra a sociedade ao apertarem um cigarrinho de maconha em público, vestirem-se de forma provocativa, revelando sua homossexualidade ou coisas do tipo. Contentam-se em aparecer com um verniz Cult e uma atitude blasé ao invés de buscar estudar a fundo estes fenômenos e lutar de forma politizada e eficiente. Mas pouca atenção se presta às mudanças no mundo e às lutas institucionais por questões como essas, da maior importância também fora dos muros protegidos da universidade. Elitista, também, porque parece desconsiderar que a maioria dos que saem da universidade precisarão inserir-se no mercado de trabalho, que é uma realidade diante da qual não podemos simplesmente dar de ombros, como se a estadia subsidiada na universidade fosse durar para sempre.

Contraproducente, pois ao invés de tomarmos as rédeas da discussão e definição das políticas e diretrizes que dirigem nosso curso e a universidade, nos limitamos a protestar a posteriori de forma caricata com palavras de ordem e manifestações mambembes. Enquanto assumimos este comportamento previsível e estereotipado, do qual já sabemos o script e que o mundo espera de nós, continuamos perdendo espaço no debate público, na universidade, na definição de políticas e em todas as áreas que a atuação conseqüente se faria importante, relegando-nos, ao contrário, ao nicho pseudo-intelectual e distante. Ao invés de pautar, somos pautados de fora e acabamos por dar de bandeja aos nossos oponentes todos os argumentos deque eles se utilizarão para nos deslegitimar, questionar nossa razão de ser e reduzir os investimentos de que necessitamos. Contraproducente, também, porque ao “não servirmos para nada” está a um passo a nossa extinção. Para que desperdiçar dinheiro público em algo inútil?

De incômodos a sociedade já está repleta. Caberia aos cientistas sociais procurar entende-los e formular propostas de interesse social para a tentativa de sua resolução. Já passou da hora de pensarmos em construir uma espécie de “terceira via” para os cursos de Ciências Sociais, elaborado por nós a partir de um debate sério, desradicalizado e sem anacronismos. Considerando a profissionalização e o mercado de trabalho, buscar uma forma de, sem render-se às suas exigências de subordinação, consigamos ser úteis para a sociedade e superar a perspectiva ingênuo-romântico-assistencialista de que faremos a revolução ou somos cientistas sociais para “ajudar a sociedade”, como é comum ouvir na fala de ingressantes. É possível contribuir a partir de qualquer profissão: o que nos distingue? O que faz nosso trabalho importante? O que justifica que a sociedade inteira pague pelos nossos estudos em universidades públicas? Com a palavra, os cientistas sociais. Urge iniciar o debate.
 
Fonte: http://sociologiadaperiferia.blogspot.com/2011/03/gente-somos-inutil.html. ( acessado em: 02 de abril de 2011)

2 comentários:

É Nós na Crítica disse...

Não dê ouvidos principalmente a essas tirinha inutil do blog do FU pense em um blog desnecessario

Unknown disse...

kk..não conheço, ainda, esse tal blog do FU, mas vou buscar conhecer sem pré-júizos assim que tiver tempo..
Quanto a este quadrinho em particular, achei bem crítico e diz exatamente o que a realidade é. Infelizmente!

Quanto ao texto...tenho minhas considerações, mas a questão que ele levante é que é importante e não a crítica em si.

Abs Nessa, Volte sempre!

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