13 de jun. de 2011

A PLATAFORMA LATTES

 



Surpreendente como a autora, é esse artigo. Nele encontramos, de forma sucinta e esclarecedora, uma reflexão sobre a Plataforma Lattes.
  
Realmente imperdível.




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A PLATAFORMA LATTES

                                                                                                                 Ângela Metri[1]

 “Há qualquer coisa de errado em vossas condutas que vós mesmos devem avaliar. A começar por uma consulta a vossos currículos, pois eu tentei e de muitos não encontro registros na academia. Muitos dos que nos criticaram nestes últimos tempos aparentemente não têm produção acadêmica. (...) nem um mísero e modesto currículo à disposição na Plataforma Lattes do CNPQ”.    (Renato Kilpp) [2]
          
     Comentário como esse me transmitiu um sentimento de melancolia ligado à privação da presença do meu querido e sábio professor argentino, Ricardo Scaricabarozzi,[3] com quem estive durante muito tempo, na década de 80, trabalhando ao seu lado, aprendendo e exercitando o ato de pesquisar. Realmente ele fazia ciência. Veio à minha memória seu jeito de dizer, com certa ironia cáustica: “o seu país adora papéis”. Imagine se tivesse vivenciado essa época da produção flexível, com suas políticas monetaristas de ajuste ultraliberal, em que a produção do conhecimento assume cada vez mais o caráter comercial. Os sistemas universitários transformaram-se em empresas produtoras de conhecimento, que demanda currículos mais reduzidos com a finalidade de preparar profissionais com maior rapidez e agilidade, atendendo ao princípio da “flexibilidade”, tão a gosto do mercado. Esta lógica vem envolvendo os cursos de graduação e os programas de pós-graduação, com suas dissertações e teses ágeis e enxutas, para poder atender às exigências das agências financiadoras, cujos recursos convertem-se em contrapartida proporcional ao número de teses defendidas em tempo hábil. Hábil no sentido de rapidez e não de conhecimento profundo. A lógica é a da taxa de retorno como a produção de qualquer bem privado, transfigurando a excelência acadêmica que passa a ser medida por critérios de custo/benefício puramente quantitativos: volume de aulas e de produção “científica”. Não é à toa que Maria José, na época, pró-reitora de pós-graduação da UFPB, ao proferir uma palestra aqui no Centro de Extensão, evidenciava a grande façanha vivida nos últimos cinco anos pela Universidade Federal da Paraíba que, apesar de ter sofrido uma grande redução dos recursos financeiros destinados à pesquisa, havia triplicado o seu número de mestres e doutores. No momento interroguei como elucidar tamanho paradoxo? E enfatizei a hipótese, que havia sido recentemente levantada por Bresser Pereira – por incrível que pareça! – sobre o processo de banalização da produção do conhecimento, que as universidades estavam vivenciando, numa conjuntura em que se delimitava o tempo para a produção científica. Outro fator que teria favorecido ainda mais esta banalização estaria na espantosa concentração do poder econômico na edição de livros e em toda a imprensa, transformando-se não apenas em uma arma de controle ideológico sobre o fluxo de informação, como ressalta Harvey (1992), mas, também, possibilitando qualquer pessoa publicar qualquer coisa, desde que banque a publicação da “obra prima” para algumas editoras. Com certeza elas não vão estar preocupadas com o teor científico da obra, nem mesmo se terá grande aceitação no mercado, basta que o autor sustente financeiramente a primeira edição. Depois disso, o livro pode mofar nas prateleiras das livrarias locais, o importante é que conste na plataforma LATTES.  Na minha memória vem novamente as palavras do meu inesquecível professor Scaricabarozzi, quando lhe interrogamos, certa vez, sobre os critérios adotados pela comunidade acadêmica para julgar o valor científico de um trabalho. E ele respondeu com aquela seriedade de sempre, que o número de citações, o número de vezes em que um autor é mencionado por outros, torna-o uma referência no mundo científico. Portanto, não é a publicação em si que dá a garantia da cientificidade a um trabalho. O que eu quero dizer é que nem sempre os que publicam são mais competentes do que esses que não estão tão preocupados com isso, aqueles apenas se adaptaram às regras do jogo da atual vida “científica”, notabilizada por uma produção em série, sem tempo para reflexão, apenas descrevendo os fenômenos na sua forma imediata, sem nenhuma crítica, numa aceitação passiva dos padrões ditados pelas instituições acadêmicas burguesas. O tempo urge na corrida pela coleção de papéis, sem nenhuma relevância.
            Portanto, na minha maneira de ver, ter o currículo na plataforma LATTES não é referência para se medir a produção científica de ninguém, mas, não há dúvida nenhuma, que pode servir para se tirar ganhos e proveitos auferidos nas transações com as universidades particulares, que precisam desse currículo para ter o reconhecimento do MEC, bem como, junto às agências financiadoras de bolsas de pesquisa e junto às burocracias do Estado e regimes locais.  Petras diz que “os intelectuais institucionais são prisioneiros de seus próprios e estreitos laços profissionais”. [4] O autor refere-se a  vinculação vertical, existente hoje, dos intelectuais, nas suas estratégias de sustento material, com os organismos públicos e privados. Katz, de forma semelhante, fala da nova “burocracia acadêmica”, fabricada pelo processo de privatização e elitização das universidades, e considera que as agências estrangeiras e os governos civis privatizadores “financiaram a transformação do intelectual crítico em apologista de seu novo status social”. [5] Felizmente, apesar de simples mestre e com pouco acúmulo de papéis, não perdi ainda minha capacidade de reflexão.
Com isso não quero dizer que o banco de dados do LATTES, como qualquer informação disponível para a comunidade acadêmica, não seja importante ou que os grandes intelectuais desse país não tenham seus currículos a disposição na plataforma LATTES
           
                                                                                             


[1] Professora da Unidade Acadêmica de Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande - PB
[2] Professor de Economia Política da Unidade Acadêmica de Economia da Universidade Federal de Campina Grande - PB
[3] Graduado em Engenharia Civil, em 1960 na U.B.A, onde começou sua carreira como docente e investigador, atividades que manteve ao longo de toda a sua vida. Foi autor de numerosos artigos nos campos da magnetohidrodinâmica, eletrofuidodinâmica e feômenos de transporte de calor e massa, publicados em revistas internacionais ou apresentados em congressos e reuniões científicas. Dono de uma ampla cultura, também fez aportes originais sobre o desenvolvimento da ciência na América Latina, política cientifica e tecnológica, a história de algumas Universidades latinoamericanas e a interação entre investigação científica e industria. Com o golpe militar em 1976, abandonou a Argentina, todavia permaneceu na América Latina. Primeiramente na Colômbia – Universidad del Cauca, Popauán – onde desenvolveu a docência e investigação. Em 1978 aceitou o convite para trabalhar no Departamento de Física da UFPB, situado em Campina Grande, na qual também desempenhou a função de coordenador do Núcleo de Política Ciêntífica e Tecnológica.  Faleceu em Buenos Aires, em 27 de maio de 1992.
[4] PETRAS, James. Os intelectuais em retirada. In: Marxismo Hoje. Organização: Osvaldo Cogiola. S. Paulo: Xamã, 1994.
[5] KATZ,  Cláudio. O pós-marxismo: uma crítica. In Marxismo Hoje. Organização: Osvaldo Cogiola. S. Paulo: Xamã, 1994.

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